sexta-feira, 29 de abril de 2011

Memorial Psicologia da Educação

       






     Vou começar relatando um pouco da minha experiência na escola. Iniciei na escola aos seis anos, em 1988, entrei direto na primeira série. Tenho poucas lembranças da escola naquela época, era um colégio particular, de freiras, em Porto Alegre. Na terceira série estudei num colégio particular, também de freiras no Rio de Janeiro, onde tínhamos que cantar o hino toda manhã, dessa época já tenho memórias mais nítidas, lembro do colégio ser bastante rígido e de nos “atropelar” com muito mais conteúdos do que o de Porto Alegre, as coisas boas eram que a escola nos oportunizava com vários tipos de lazer, colônias de férias, gincanas, desfiles, boate estudantil toda sexta-feira.
            Ao longo da minha vida mudei o tempo todo de escolas, cidades, estudei até a oitava série em colégios particulares, normalmente de freiras. No segundo grau resolvi experimentar um colégio estadual, foi uma briga familiar, mas era o que eu queria, queria ver o mundo de perto. E realmente vi, tive uma visão da realidade da escola, das pessoas, da sociedade em geral, coisas que não teriam acontecido se eu tivesse continuado estudando apenas com a classe média e alta. Meu segundo grau foi o máximo, principalmente nas minhas relações de amizade e na descoberta da vida.
            Terminando o segundo grau fui embora para os Estados Unidos fazer o quarto ano do ensino médio. Foi uma revolução, uma experiência boa e dolorida, diante de toda saudade que eu enfrentava. Estudei em um colégio no interior dos EUA, uma cidadezinha de praia, Gulf Shores. Lá tive que lutar com o preconceito por parte dos alunos contra os que vêm de fora, no início me mantive fechada, e depois entre uma conversa e outra com uma professora iluminada decidi me abrir pra novas experiências com o pensamento de que aquilo ali não seria minha vida pra sempre, então não custava nada aproveitar. E foi o que fiz, aproveitei, conheci pessoas ótimas, aprendi, ensinei, foi uma grande fase. Os professores, a maioria abertos, queriam me conhecer e saber da minha experiência. A idéia inicial era morar lá, fazer universidade, cheguei a me inscrever em uma universidade, mas eu sabia que no fundo não seria aquilo a minha vida. Lá também cantávamos o hino todo dia antes da aula, eu tinha um tutor que me ajudava no que eu não entendia. A aula era das sete e meia da manhã até as três horas da tarde. Na escola tínhamos pouco lazer, era matéria e mais matéria. O único lazer era a hora do almoço e o esporte, que é muito incentivado nas escolas americanas. Eu jogava futebol e vôlei.
            Bom, voltei e aí tive que decidir o que fazer da minha vida, passei em Medicina no RJ, na Univali em SC e na ULBRA em POA. Resolvi ir embora pra SC e por lá fiquei. Cursei por um ano medicina e abandonei tudo, vi que aquilo tudo era uma ilusão, me dei conta que estava fazendo pra contentar os outros e não a mim. Parei tudo, comecei a fazer terapia e aí me deparei com a Psicologia, amei, me encantei, me apaixonei, e hoje aqui estou.
            Resumidamente minha vida escolar foi assim.
            Em todos os lugares que estudei o método sempre foi o mesmo, o de uma “concepção bancária”, como diz Paulo Freire, era depositados nos alunos uma série de matérias ao longo do ano, na maioria, coisas que decorávamos e não que aprendíamos.
            Fiz cursinho pré-vestibular por um semestre e fiquei encantada com o método e o jeito dos professores, achei o máximo aquele tipo de ensino que nunca tinha visto ao longo de todos os anos escolares. Davam aula pra gente compreender e não apenas pra decorar. Lá tínhamos professores artesões, aqueles que construíam e reconstruíam o saber de acordo com a especificidade dos contextos e dos públicos.
            Na escola, na hora da avaliação se não escrevêssemos exatamente o que o professor tinha nos passado a resposta era incorreta. Eu ficava furiosa com isso, porque às vezes eu escrevia a mesma coisa com as minhas palavras e tirava uma nota baixa porque não era o que a professora gostaria de ler. Em todas as escolas por que passei o método era o mesmo, Rui Canário fala claramente  sobre a organização escolar, que tem-se revelado uniforme e estável, contribuindo para que as escolas sejam idênticas. O não reconhecimento do valor do erro nos processos de aprendizagem, lembro de sentir muita culpa quando errava ou ia mal em alguma prova, e isso não era nem um pouco trabalhado com os alunos. Raramente se produzia informação original e o desempenho dos alunos era sempre pior do que a versão do professor. A obrigação do aluno era decorar a matéria, comparecer as aulas e tirar nota boa nas provas. O ensino escolar nos menosprezava como pessoa e nossa experiência não era nada valorizada.
            Conforme Bruner (1999), segundo o qual o aprender só se torna um problema precisamente na escola, “em que o currículo é fixo, os estudantes estão confinados e o caminho é invariável””.
            Em relação ao modelo organizacional físico das escolas que passei eram basicamente os mesmo, um professor, 30 alunos, na escola estadual bem mais, cerca de 40 alunos por sala, uma hora de aula, uma sala retangular e um quadro negro. A única escola que foi diferente foi no EUA, que era uma sala por matéria, quem se movimentava de uma sala para outra eram os alunos e não os professores. Lá também tínhamos treinamento caso ocorresse um incêndio, ou bomba, ou qualquer coisa que tivéssemos que fugir da escola, acontecia mais ou menos de 15 em 15 dias e era surpresa, pra saber se estávamos realmente preparados caso houvesse alguma coisa.
            De acordo com Rui Canário esse modelo organizativo tem como base um conjunto de regras impessoais relacionadas à aprendizagem do “ofício de aluno”, a transformação das crianças em alunos. Tais características ajudam a conferir ao trabalho dos alunos, um caráter alienado.
            A biblioteca, que de acordo com a UNESCO deveria ser o coração da escola, era precária na escola estadual, livros rasgados, edições antigas. Nas escolas particulares tinham bibliotecas enormes, porem totalmente fechadas e isoladas em um canto da escola. A única que correspondia com essa forma era na escola americana, a biblioteca era aberta, sem portas, no centro da escola, equipada com inúmeros computadores e mesas de estudo.
            Todas as escolas que estudei eram de cunho autoritário, não tínhamos direito a palavra. Uma prova disso, relacionada à minha experiência foi quando estava assistindo a uma aula de Educação Física, e o professor nos mandou correr duas voltas na quadra, eu disse que não poderia porque tinha tido uma crise de asma um dia anterior, ele disse que se eu não cumprisse eu rodaria em educação física. Fui correr e na metade da primeira volta tive uma crise de falta de ar, e tive que ser levada para o hospital. A minha palavra não valeu nada.
            A maioria dos professores que tive eram irritados, impessoais, estavam ali não porque queriam mas porque precisavam. Claro que tive professores que foram exceções, mas a maioria deles exibia o mesmo papel em relação aos alunos.
            Rui Canário fala que a aprendizagem consiste em um trabalho que o sujeito realiza sobre si próprio. Aprendi muito, não em sala de aula, mas fora delas, nas relações com os alunos e em especial com uma professora quando cursava o segundo grau. Sempre fui muito metida, no sentido de tentar resolver as coisas que eu achava que eram injustas. Por causa disso arrumei muita briga, lutei por muitas causas dentro da escola e toda hora era mandada para o SOE (Serviço de orientação educacional). No SOE tinha uma pedagoga que me ajudou muito no entendimento do mundo e no crescimento como pessoa. Era um tipo de professora único dentro daquele contexto. Talvez ela fosse de acordo com Rui Canário “O professor como profissional da relação”, ela investia sua personalidade, nos educando, nos escutando, diferente do que acontecia nas salas de aula. Por fim, eu adorava ir para o SOE, trocávamos idéias, debatíamos, conversávamos sobre problemas e questionamentos relacionados à minha vida na escola. Os papéis ali naquela sala do SOE de quem aprendia e quem ensinava eram reversíveis.
            A grande parte dos professores que tive eram bem qualificados profissionalmente, com diplomas e certificados acadêmicos, mas como afirma Lise Demailly (1997), a “um não sei que através do qual a qualificação se torna eficiente e se atualiza em uma situação de trabalho”. A sabedoria não é uma garantia de competência profissional. Questionava-me muito na época da escola o por que dos professores estudarem tanto e se qualificarem profissionalmente, cheio de diplomas e títulos enquanto não tinham o menor feeling pra atuar como professores. Ficava me perguntando por que não faziam outra coisa, se estavam sempre de mau humor em sala de aula. Hoje estudando vejo que foi dessa forma que tudo se organizou.
            O conceito de zelo no trabalho é convergente com a verificação de que a prática profissional alimenta-se de um conjunto de saberes “tácitos” que correspondem, utilizando a expressão de Donald Schon (1996), “a um saber escondido no agir profissional”. Estratégia de formação centrada na escola.
            Outra questão presente nas escolas é a perda de sentido para o trabalho escolar, tanto dos alunos quanto dos professores.
            Os alunos têm que ser capazes de integrar e relacionar a sua experiência escolar em todas as suas experiências de vida, pois refletindo sobre o seu próprio percurso de vida lhes permite construir um sentido.
            Competências são construídas em contexto, dentro de uma dinâmica simultaneamente individual e coletiva, com base em um processo de mobilização de saberes que podem ser combinados de varias maneiras diferentes. 


             O modelo escolar da minha época foi um modelo baseado num processo cumulativo de informações, o professor sabe e deposita o conhecimento nos alunos que não sabem. Um ensino autoritário, desvalorizando a experiência do aluno. Excluem as lógicas de pesquisa e descoberta de cada um.
            Foi muito gratificante e válido realizar esse trabalho, pois ler o livro de Rui Canário me fez vivenciar todas as coisas boas da minha época escolar de novo. Tive uma série de questionamentos, do que é certo, errado, do que deveria mudar, do que deveria ser retomado de outras épocas. Lendo o livro me senti esperançosa em relação a educação, percebi que ainda temos muito que aprender, mas que temos condições de mudar para melhorar o futuro das crianças de hoje.

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