sexta-feira, 29 de abril de 2011

Juventude: outros olhares sobre a diversidade


O período da juventude é uma idade de conflitos, onde direitos e deveres são cobrados, às vezes da criança e às vezes do quase adulto.
No Brasil, onde as leis não são claras, o papel do jovem torna-se ainda mais conflitante. Dentro de uma sociedade sem parâmetros claros e que não oferece punição as mais diversificadas formas de lazer e opções para passar o tempo, desde encontros em ruas e praças até bailes funks e festas raves, sem que seja cobrada uma idade mínima para esses “passatempos”, temos ainda o agravante das drogas, roubos, furtos, violência, homicídio e até mesmo suicídio entre os jovens.
Pudemos ver no documentário em aula a problemática das drogas inseridas na escola e do alto índice de violência na sociedade em geral, o que também repercute no contexto escolar. A escola muitas vezes atua como um reforçador dessa violência, negando a violência produzida pelo social.
No documentário que assistimos em aula pude perceber que a violência era demonstrada nas mais diversas formas, empurrões, agressões verbais, vandalismos, intimidações, porte de armas, furtos, etc.
O documentário faz uma análise das escolas do país, mostrando uma escola precária, no seu âmbito físico e psicológico. As péssimas condições de trabalho têm levado muito dos professores ao cansaço, gerando estresse, incapacitados para lidar com emoções e agressões por parte dos alunos. O resultado da falta de preparo do corpo docente contribui para a falta destes ao trabalho, grosseria, falta de conversação, dificuldade de relação professor-aluno.
A falta do professor à escola gera uma indignação por parte dos alunos, muitos vindos de longe, em meios precários de transporte. A falta de estímulo na escola e o meio social fazem com que a maioria não termine o ensino fundamental.
Na grande maioria das famílias brasileiras os jovens ficam de donos de suas próprias casas, pois os pais e provedores precisam buscar pelo trabalho fora para a manutenção financeira do lar, quando não são auxiliados pelos menores, em muitos casos.  Por conta disso, s espaços e formas de lazer são privilégios para poucos.
O lazer depende do campo de possibilidades que aparecem aos jovens, dependendo do seu nível sócio cultural. É no espaço da escola que o jovem amplia seus contados e tem mais oportunidades de lazer. Quando estão em casa, a preferência é pela televisão e música.
As opções de cultura e lazer, como internet, livros, rodas de amigos, religiosidade e esporte, são vistos pelo jovem como um apoio ao normal, o que o faz sentir parte de um grupo e de uma sociedade.
O jovem de hoje possui os mesmos anseios do jovem de ontem, mas vê-se uma disparidade no número que consegue conquistar um ensino melhor, condições melhores ou um emprego mais valorizado do que àquele de seu pai, mãe, padrasto. Devido às condições da sociedade, o jovem busca, mas desiste com a mesma facilidade de seus anseios de uma vida melhor.
Indivíduos de uma sociedade narcísica, onde a mídia e a sociedade apresentam valores de ostentação, a maioria dos jovens acaba se frustrando por não conseguirem realizar suas aspirações.
Com falta de perspectivas e valores impostos pela sociedade, onde o consumismo é extremamente valorizado, a busca pelo caminho do crime parece ser o mais rápido para a aquisição de bens e de respeito diante do grupo de amigos. Visões distorcidas que a família e a escola lutam para mudar.
A conquista de um nível melhor de ensino ainda é valorizada, pela busca de um diploma universitário, que é visto como um meio de proporcionar uma melhor qualidade de vida e um futuro mais seguro ao jovem de hoje.
A sociedade apesar de todas as dificuldades ainda deposita nos jovens a capacidade de mudança, acreditam que a força do novo está na juventude, e para que essa mudança seja positiva é preciso implantar mudanças na educação.



Memorial Psicologia da Educação

       






     Vou começar relatando um pouco da minha experiência na escola. Iniciei na escola aos seis anos, em 1988, entrei direto na primeira série. Tenho poucas lembranças da escola naquela época, era um colégio particular, de freiras, em Porto Alegre. Na terceira série estudei num colégio particular, também de freiras no Rio de Janeiro, onde tínhamos que cantar o hino toda manhã, dessa época já tenho memórias mais nítidas, lembro do colégio ser bastante rígido e de nos “atropelar” com muito mais conteúdos do que o de Porto Alegre, as coisas boas eram que a escola nos oportunizava com vários tipos de lazer, colônias de férias, gincanas, desfiles, boate estudantil toda sexta-feira.
            Ao longo da minha vida mudei o tempo todo de escolas, cidades, estudei até a oitava série em colégios particulares, normalmente de freiras. No segundo grau resolvi experimentar um colégio estadual, foi uma briga familiar, mas era o que eu queria, queria ver o mundo de perto. E realmente vi, tive uma visão da realidade da escola, das pessoas, da sociedade em geral, coisas que não teriam acontecido se eu tivesse continuado estudando apenas com a classe média e alta. Meu segundo grau foi o máximo, principalmente nas minhas relações de amizade e na descoberta da vida.
            Terminando o segundo grau fui embora para os Estados Unidos fazer o quarto ano do ensino médio. Foi uma revolução, uma experiência boa e dolorida, diante de toda saudade que eu enfrentava. Estudei em um colégio no interior dos EUA, uma cidadezinha de praia, Gulf Shores. Lá tive que lutar com o preconceito por parte dos alunos contra os que vêm de fora, no início me mantive fechada, e depois entre uma conversa e outra com uma professora iluminada decidi me abrir pra novas experiências com o pensamento de que aquilo ali não seria minha vida pra sempre, então não custava nada aproveitar. E foi o que fiz, aproveitei, conheci pessoas ótimas, aprendi, ensinei, foi uma grande fase. Os professores, a maioria abertos, queriam me conhecer e saber da minha experiência. A idéia inicial era morar lá, fazer universidade, cheguei a me inscrever em uma universidade, mas eu sabia que no fundo não seria aquilo a minha vida. Lá também cantávamos o hino todo dia antes da aula, eu tinha um tutor que me ajudava no que eu não entendia. A aula era das sete e meia da manhã até as três horas da tarde. Na escola tínhamos pouco lazer, era matéria e mais matéria. O único lazer era a hora do almoço e o esporte, que é muito incentivado nas escolas americanas. Eu jogava futebol e vôlei.
            Bom, voltei e aí tive que decidir o que fazer da minha vida, passei em Medicina no RJ, na Univali em SC e na ULBRA em POA. Resolvi ir embora pra SC e por lá fiquei. Cursei por um ano medicina e abandonei tudo, vi que aquilo tudo era uma ilusão, me dei conta que estava fazendo pra contentar os outros e não a mim. Parei tudo, comecei a fazer terapia e aí me deparei com a Psicologia, amei, me encantei, me apaixonei, e hoje aqui estou.
            Resumidamente minha vida escolar foi assim.
            Em todos os lugares que estudei o método sempre foi o mesmo, o de uma “concepção bancária”, como diz Paulo Freire, era depositados nos alunos uma série de matérias ao longo do ano, na maioria, coisas que decorávamos e não que aprendíamos.
            Fiz cursinho pré-vestibular por um semestre e fiquei encantada com o método e o jeito dos professores, achei o máximo aquele tipo de ensino que nunca tinha visto ao longo de todos os anos escolares. Davam aula pra gente compreender e não apenas pra decorar. Lá tínhamos professores artesões, aqueles que construíam e reconstruíam o saber de acordo com a especificidade dos contextos e dos públicos.
            Na escola, na hora da avaliação se não escrevêssemos exatamente o que o professor tinha nos passado a resposta era incorreta. Eu ficava furiosa com isso, porque às vezes eu escrevia a mesma coisa com as minhas palavras e tirava uma nota baixa porque não era o que a professora gostaria de ler. Em todas as escolas por que passei o método era o mesmo, Rui Canário fala claramente  sobre a organização escolar, que tem-se revelado uniforme e estável, contribuindo para que as escolas sejam idênticas. O não reconhecimento do valor do erro nos processos de aprendizagem, lembro de sentir muita culpa quando errava ou ia mal em alguma prova, e isso não era nem um pouco trabalhado com os alunos. Raramente se produzia informação original e o desempenho dos alunos era sempre pior do que a versão do professor. A obrigação do aluno era decorar a matéria, comparecer as aulas e tirar nota boa nas provas. O ensino escolar nos menosprezava como pessoa e nossa experiência não era nada valorizada.
            Conforme Bruner (1999), segundo o qual o aprender só se torna um problema precisamente na escola, “em que o currículo é fixo, os estudantes estão confinados e o caminho é invariável””.
            Em relação ao modelo organizacional físico das escolas que passei eram basicamente os mesmo, um professor, 30 alunos, na escola estadual bem mais, cerca de 40 alunos por sala, uma hora de aula, uma sala retangular e um quadro negro. A única escola que foi diferente foi no EUA, que era uma sala por matéria, quem se movimentava de uma sala para outra eram os alunos e não os professores. Lá também tínhamos treinamento caso ocorresse um incêndio, ou bomba, ou qualquer coisa que tivéssemos que fugir da escola, acontecia mais ou menos de 15 em 15 dias e era surpresa, pra saber se estávamos realmente preparados caso houvesse alguma coisa.
            De acordo com Rui Canário esse modelo organizativo tem como base um conjunto de regras impessoais relacionadas à aprendizagem do “ofício de aluno”, a transformação das crianças em alunos. Tais características ajudam a conferir ao trabalho dos alunos, um caráter alienado.
            A biblioteca, que de acordo com a UNESCO deveria ser o coração da escola, era precária na escola estadual, livros rasgados, edições antigas. Nas escolas particulares tinham bibliotecas enormes, porem totalmente fechadas e isoladas em um canto da escola. A única que correspondia com essa forma era na escola americana, a biblioteca era aberta, sem portas, no centro da escola, equipada com inúmeros computadores e mesas de estudo.
            Todas as escolas que estudei eram de cunho autoritário, não tínhamos direito a palavra. Uma prova disso, relacionada à minha experiência foi quando estava assistindo a uma aula de Educação Física, e o professor nos mandou correr duas voltas na quadra, eu disse que não poderia porque tinha tido uma crise de asma um dia anterior, ele disse que se eu não cumprisse eu rodaria em educação física. Fui correr e na metade da primeira volta tive uma crise de falta de ar, e tive que ser levada para o hospital. A minha palavra não valeu nada.
            A maioria dos professores que tive eram irritados, impessoais, estavam ali não porque queriam mas porque precisavam. Claro que tive professores que foram exceções, mas a maioria deles exibia o mesmo papel em relação aos alunos.
            Rui Canário fala que a aprendizagem consiste em um trabalho que o sujeito realiza sobre si próprio. Aprendi muito, não em sala de aula, mas fora delas, nas relações com os alunos e em especial com uma professora quando cursava o segundo grau. Sempre fui muito metida, no sentido de tentar resolver as coisas que eu achava que eram injustas. Por causa disso arrumei muita briga, lutei por muitas causas dentro da escola e toda hora era mandada para o SOE (Serviço de orientação educacional). No SOE tinha uma pedagoga que me ajudou muito no entendimento do mundo e no crescimento como pessoa. Era um tipo de professora único dentro daquele contexto. Talvez ela fosse de acordo com Rui Canário “O professor como profissional da relação”, ela investia sua personalidade, nos educando, nos escutando, diferente do que acontecia nas salas de aula. Por fim, eu adorava ir para o SOE, trocávamos idéias, debatíamos, conversávamos sobre problemas e questionamentos relacionados à minha vida na escola. Os papéis ali naquela sala do SOE de quem aprendia e quem ensinava eram reversíveis.
            A grande parte dos professores que tive eram bem qualificados profissionalmente, com diplomas e certificados acadêmicos, mas como afirma Lise Demailly (1997), a “um não sei que através do qual a qualificação se torna eficiente e se atualiza em uma situação de trabalho”. A sabedoria não é uma garantia de competência profissional. Questionava-me muito na época da escola o por que dos professores estudarem tanto e se qualificarem profissionalmente, cheio de diplomas e títulos enquanto não tinham o menor feeling pra atuar como professores. Ficava me perguntando por que não faziam outra coisa, se estavam sempre de mau humor em sala de aula. Hoje estudando vejo que foi dessa forma que tudo se organizou.
            O conceito de zelo no trabalho é convergente com a verificação de que a prática profissional alimenta-se de um conjunto de saberes “tácitos” que correspondem, utilizando a expressão de Donald Schon (1996), “a um saber escondido no agir profissional”. Estratégia de formação centrada na escola.
            Outra questão presente nas escolas é a perda de sentido para o trabalho escolar, tanto dos alunos quanto dos professores.
            Os alunos têm que ser capazes de integrar e relacionar a sua experiência escolar em todas as suas experiências de vida, pois refletindo sobre o seu próprio percurso de vida lhes permite construir um sentido.
            Competências são construídas em contexto, dentro de uma dinâmica simultaneamente individual e coletiva, com base em um processo de mobilização de saberes que podem ser combinados de varias maneiras diferentes. 


             O modelo escolar da minha época foi um modelo baseado num processo cumulativo de informações, o professor sabe e deposita o conhecimento nos alunos que não sabem. Um ensino autoritário, desvalorizando a experiência do aluno. Excluem as lógicas de pesquisa e descoberta de cada um.
            Foi muito gratificante e válido realizar esse trabalho, pois ler o livro de Rui Canário me fez vivenciar todas as coisas boas da minha época escolar de novo. Tive uma série de questionamentos, do que é certo, errado, do que deveria mudar, do que deveria ser retomado de outras épocas. Lendo o livro me senti esperançosa em relação a educação, percebi que ainda temos muito que aprender, mas que temos condições de mudar para melhorar o futuro das crianças de hoje.

Cartas a um jovem terapeuta - Resenha


              No livro “Cartas a um jovem terapeuta”, Contardo Calligaris aborda temas, dilemas e ansiedades sobre a prática do psicoterapeuta. O autor se baseia na sua experiência de vida e na sua experiência como terapeuta. Calligaris dialoga com o leitor de uma forma  franca, sem máscaras. O livro contém 155 páginas, divididas em 11 capítulos, onde o autor apresenta respostas às cartas de dois jovens terapeutas, dando-lhes uma noção e lição do que é necessário para ser um bom psicoterapeuta. Calligaris inicia as cartas falando de alguns traços que ele espera no caráter de uma pessoa para se tornar um bom profissional.
            O autor afirma que o psicólogo não deve esperar gratidão dos pacientes, pois provavelmente o psicoterapeuta vai ser esquecido. Compara o terapeuta a um remédio que deixa de ser usado. De acordo com Calligaris  “nenhuma psicoterapia, seja ela qual for, deveria almejar a dependência do paciente.” (CALLIGARIS, p. 7).  De fato  quando a psicoterapia faz seu efeito o paciente tem que deixar de idealizar o terapeuta.  Reafirma nas cartas que se a pessoa que almeja ser admirado e necessita de gratidão, deve esquecer a psicologia e talvez tentar fazer medicina.
            Segundo o autor, uma pessoa para ser um bom terapeuta, tem que possuir uma simpatia, uma atração por todo tipo de gente, ainda sugere que se tenha gosto pela palavra e pela escuta. O psicoterapeuta deve ter curiosidade e respeito pela variedade da experiência humana, deixando preconceitos e crenças de lado. E se caso o terapeuta não conseguir escutar um paciente, sem julgamentos, encaminhe-o a outro terapeuta, aconselha Calligaris. O bom profissional deve evitar ser um moralista, respeitando a singularidade de cada vida. Ainda afirma que se “você não é um modelo de normalidade, esqueça essa preocupação.” (GALLIGARIS, p.15) O último traço que o autor gostaria de encontrar em um jovem aspirante pela profissão terapeuta é uma boa dose de sofrimento psíquico, observa que para entendermos um paciente, primeiro teremos que nos entender, através de tratamento psicoterápico.
            Aborda no livro temas polêmicos de uma forma bem clara, questões como paixões entre paciente e terapeuta, o que fazer para ter mais pacientes, preconceitos, confiança, duração da sessão, pagamentos, formação, SETTING.
             Sobre o SETTING, a sugestão do autor é que a decisão dependa de situações de conforto para o terapeuta e paciente, independente se o paciente está sentado ou deitado, o que importa em uma terapia são as palavras trocadas e as relações que elas organizam. A questão da duração das sessões e o pagamento para Calligaris é relativa, De acordo com a necessidade de cada situação a duração da sessão varia, estas dependem da necessidade do paciente e da capacidade de ouvir do terapeuta.
            O livro “cartas a um jovem terapeuta” deveria ser lido por todos que desejam ingressar em uma formação de psicologia, e para profissionais de outras áreas que decidem ir pelos caminhos da psicanálise. Nos mostra de uma forma objetiva, sem prepotências e arrogância, as dificuldades, problemas, satisfações obtidas acerca da escolha de ser psicoterapeuta.
            Um livro de fácil leitura e entendimento, nos respondendo questões básicas que nenhum livro teórico de psicologia nos responde. Calligaris nos inquieta, gera uma certa ansiedade e incertezas por tudo que ainda iremos nos deparar na nossa vida profissional, e , ao mesmo tempo acalma por responder com sensibilidade a tantos questionamentos que martelam a nossa cabeça durante todo nosso universo universitário. 
            Indicado para todos estudantes e profissionais que desejam entender um pouco assuntos sobre psicoterapia. Um livro de “cabeceira” para quem deseja seguir esta profissão. A leitura desse livro é indispensável para estudantes e aspirantes de Psicologia. O percurso é também uma oportunidade para refletir sobre nossos jeitos de ser e viver.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

METADE (Oswaldo Montenegro)

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio

Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que o homem  que eu amo seja pra sempre amado
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

E o que é que ela vê nele? Nossos amigos se interrogam sobre nossas escolhas, e nós fazemos o mesmo em relação às escolhas deles. O que é, caramba, que aquele Fulano tem de especial? E qual será o encanto secreto da Beltrana?

Vou contar o que ela vê nele: ela vê tudo o que não conseguiu ver no próprio pai, ela vê uma serenidade rara e isso é mais importante do que o Porsche que ele não tem, ela vê que ele se emociona com pequenos gestos e se revolta com injustiças, ela vê uma pinta no ombro esquerdo que estranhamente ninguém repara, ela vê que ele faz tudo para que ela fique contente, ela vê que os olhos dele franzem na hora de ler um livro e mesmo assim o teimoso não procura um oftalmologista, ela vê que ele erra, mas quando acerta, acerta em cheio, que ele parece um lorde numa mesa de restaurante mas é desajeitado pra se vestir, ela vê que ele não dá a mínima para comportamentos padrões, ela vê que ele é um sonhador incorrigível, ela o vê chorando, ela o vê nu, ela o vê no que ele tem de invisível para todos os outros.

Agora vou contar o que ele vê nela: ele vê, sim, que o corpo dela não é nem de longe parecido com o da Daniella Cicarelli, mas vê que ela tem uma coxa roliça e uma boca que sorri mais para um lado do que para o outro, e vê que ela, do jeito que é, preenche todas as suas carências do passado, e vê que ela precisa dele e isso o faz sentir importante, e vê que ela até hoje não aprendeu a fazer um rabo-de-cavalo decente, mas faz um cafuné que deveria ser patenteado, e vê que ela boceja só de pensar na palavra bocejo e que faz parecer que é sempre primavera, de tanto que gosta de flores em casa, e ele vê que ela é tão insegura quanto ele e é humana como todos, vê que ela é livre e poderia estar com qualquer outra pessoa, mas é ao seu lado que está, e vê que ela se preocupa quando ele chega tarde e não se preocupa se ele não diz que a ama de 10 em 10 minutos, e por isso ele a ama mesmo que ninguém entenda.

(Martha medeiros)